GeorgGrimm

Nascido em 1846 em Bühl am Alpsee, Alemanha, e falecido em 1887 em Palermo, Itália
Cento e setenta anos de nascimento no dia 22 de abril de 2016


Página principal Nota biográfica

Fotografia: Johann Georg Grimm circa 1877 Nasceu na localidade de Bühl am Alpsee (à época, See bei Bühl), nos arredores da cidade de Immenstadt im Allgäu, Alemanha. Filho do mestre-marceneiro Johann Bernhard Grimm (1811-1881) e de Maria Anna Herz (1814-1851). Órfão de mãe desde muito cedo, freqüentou a escola elementar de sua cidade natal com distinção e aproveitamento. Embora desde a infância demonstrasse aptidão para o desenho, ainda assim exerceu, como seu único irmão Johann Franz (1849-1933), atividades típicas do meio rural em que vivia e da profissão paterna. Sem apoio da família, aos 19 anos de idade seguiu para Munique, pretendendo dedicar-se exclusivamente à arte. Em julho de 1867 obteve matrícula na Königliche Akademie der Bildenden Künste, que cursou com afinco e extrema carência de recursos materiais, até abril de 1870. Terminando a Antikenklasse (cópia de moldagens em gesso de esculturas e modelos da Antigüidade) passou à Zeichnungsklasse, dispondo de maior liberdade na cópia de estampas (temas do Renascimento ao século XVIII) até chegar aos estudos de modelo-vivo. Mais tarde freqüentou também, por pouco tempo, a Königlichen Akademie der Bildenden Künste em Berlim. Com o auxílio de amigos abastados e generosos, no final do ano de 1872 deixou a Alemanha e até 1877 viajou por países da Europa e do norte da África. Atravessou a Itália de norte a sul, por diversas vezes permanecendo em Roma, Nápoles e Capri. Na capital italiana, produziu uma série de primorosos estudos de modelo-vivo e costumes, em aquarela.

Esteve por um breve período em Berlim antes de voltar à Itália em 1875, percorrendo então toda a Sicília e de Trapani seguindo para a Tunísia e daí à Argélia, visitando depois Granada e Toledo na Espanha. Por onde esteve fixou vistas, paisagens e costumes em cerca de duas centenas de desenhos, aquarelas e óleos. Nesta incessante movimentação antes de radicar-se no Brasil, não é difícil reconhecer que seu temperamento destemido e vigoroso tenha atendido à antiga fascinação que a Itália e o Mediterrâneo exerciam sobre os artistas de origem germânica, como também ocorrera, por exemplo, com Carl Rottmann (1797-1850), Hans von Marées (1837-1887), Arnold Böcklin (1827-1901) e inúmeros outros antes e depois destes — sem esquecer europeus de outras nacionalidades como os orientalistas franceses no Magreb e um pintor extraordinário como o norte-americano John Singer Sargent (1856-1925) na ilha de Capri. Contudo, seja o que for que tenha atraído o pintor para a América do Sul, e especificamente para uma grande metrópole de natureza tropical deslumbrante, é algo que permanece ainda desconhecido.

Em agosto de 1877, chegou ao Rio de Janeiro, trabalhando durante algum tempo na firma do alemão Friedrich Anton Steckel (1834-1921), especializada em pintura de casas e navios, douração, decoração de interiores e venda de material para pintura. Durante este período, Grimm viajou moderadamente por distritos e pequenas cidades da região do vale do Paraíba, tendo também estado em Petrópolis, Valença e na província de Minas Gerais. Pintou poucas paisagens, a maior parte delas obras de caráter documental, como iconografia de fazendas de café e outras propriedades rurais. Estes trabalhos, apesar de realizados por encomenda e com o intuito de registrar com o máximo de fidelidade os locais escolhidos, conseguem ser bastante significativos no que concerne ao tratamento dispensado à paisagem. Do início de 1880 a julho de 1881, o artista ausentou-se do Rio de Janeiro, viajando para a Itália e de lá seguindo em excursão pela Grécia, Turquia, Síria, Líbano, Palestina e Egito. Voltando à Europa, demorou-se na Córsega e percorreu a Riviera franco-italiana. Por fim, de Paris dirigiu-se para Bordéus de onde retornou ao Brasil. É curioso que não tenha restado qualquer vestígio documental preciso desta viagem, exceto um pequeno caderno de esboços, e na verdade até recentemente ela jamais havia sido conhecida com absoluta certeza.

Em março de 1882, a Sociedade Propagadora das Belas Artes realizou no Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, uma grande exposição pública. A mostra causou sensação: nada menos de 128 obras, dentre as 418 então apresentadas, eram de autoria de um só artista, o bávaro Johann Georg Grimm — a maioria delas óleos e aquarelas pintadas na Europa, sobretudo Itália, e no norte da África entre 1873 e 1876. A imprensa e a crítica foram unânimes nos elogios ao pintor alemão. Para o público até então acostumado com um estilo de pintura frio e convencional, produzido quase que em estrita obediência aos severos princípios do ensino acadêmico de origem neoclássica francesa, as cores fortes e a maneira ampla que caracterizava as obras de Grimm pareceram algo de excepcionalmente inovador. E o fato de só pintar a natureza en plein air, ao ar livre em direta e intensa oposição ao ambiente escuro dos ateliês, era sem dúvida algo provocador e extraordinário. O enorme sucesso na exposição de 1882 fez com que Grimm, por ordem do governo, fosse contratado como professor interino da aula de paisagem na Academia Imperial das Belas Artes, que estava vaga desde setembro de 1881. Lá encontrou estudantes que formariam uma das mais brilhantes gerações de pintores na arte brasileira de fins do século XIX e início do século XX. Alguns dentre eles, em uma atitude sem precedentes, abandonaram a Academia acompanhando o professor de paisagem, quando o mestre demitiu-se do cargo em meados de 1884 por ver recusada sua justa insistência para ser efetivado por meio de concurso.

Este episódio foi o ponto culminante da história do Grupo Grimm (também conhecido como Escola da Boa Viagem). Estes alunos foram o espanhol Domingo García y Vazquez (1859-1912), o brasileiro filho de franceses Hipólito Boaventura Caron (1862-1892), o português Francisco Joaquim Gomes Ribeiro (circa 1855-circa 1900), o italiano Giovanni Battista Castagneto (1851-1900), e os brasileiros Antônio Parreiras (1860-1937) e Joaquim José da França Júnior (1838-1890), este um renomado escritor e autor teatral. Em agosto de 1884 foi inaugurada a XXVI Exposição Geral de Belas Artes, a mais importante mostra realizada durante o período monárquico. Nela, Grimm e seus discípulos obtiveram amplo sucesso e foram quase todos distingüidos com medalhas de ouro e menções honrosas. Por seis meses ainda as atividades do grupo continuaram nas praias da cidade de Niterói, até que no início do ano de 1885 seguiram todos em excursão de estudo para as montanhas de Teresópolis, região serrana da província do Rio de Janeiro. Por inúmeras razões a formação do Grupo Grimm tornou-se um dos mais relevantes episódios no desenvolvimento da pintura brasileira durante o Segundo Reinado, e dentre seus integrantes pelo menos dois artistas alcançariam enorme prestígio e reconhecimento na história da arte brasileira: o paisagista Antônio Parreiras e o marinhista Giovanni Battista Castagneto. E embora muitos outros artistas alemães tenham estado no país ao longo do século XIX, inclusive o notável desenhista e pintor bávaro Johann Moritz Rugendas (1802-1858), nenhum outro europeu jamais conseguiu exercer ― como Johann Georg Grimm ― tamanha influência sobre a história da arte no Brasil.

Em Teresópolis, no início de 1885, pela última vez estiveram reunidos o mestre e seus discípulos. Logo dispersaram-se e Grimm partiu para a província de Minas Gerais. Ao longo de quase dois anos, até dezembro de 1886, o pintor alemão esteve ausente do Rio de Janeiro, viajando sem cessar (Sabará, Santa Bárbara, Nova Lima, etc.) e executando diversas encomendas, inclusive mais uma vez na região das fazendas de café que já havia percorrido entre 1877 e 1879 (Paraíba do Sul, Bemposta, São José do Vale do Rio Preto, Três Rios, etc.). Em meados de 1887, gravemente doente, deixou o Brasil e retornou à Europa. Por algum tempo esteve em sua cidade natal e vilarejos alpinos das redondezas, em repouso e sob tratamento médico, até seguir para a Sicília na tentativa de encontrar melhor clima para sua recuperação. Agravando-se ainda mais seu estado de saúde, foi internado em um hospital em Palermo, àquela época um centro de referência para o tratamento da tuberculose. Faleceu no dia 18 de dezembro de 1887 e foi sepultado no pequeno Cimitero degli Inglesi, diante do mar no sopé do monte Pellegrino. A notícia de sua morte só chegou ao Rio de Janeiro mais de um mês depois, através de anúncio publicado no Jornal do Commercio, e à sua cidade natal ainda mais tarde, no jornal Algäuer Anzeigeblatt de março de 1888.

CARLOS ROBERTO MACIEL LEVY

 

TEXTO: originalmente publicado em alemão, como verbete sobre o artista, no Allgemeines Künstlerlexikon [antigo Thieme-Becker-Künstlerlexikon] - Die Bildenden Künstler aller Zeiten und Völker, vol. 62 (Greyerz - Grondoli), K. G. Saur Verlag, München / Leipzig, Alemanha, 2009, p.273-274.

IMAGEM: Grimm em fotografia de autoria desconhecida, muito provavelmente tirada no Rio de Janeiro em 1877, que pertenceu ao pintor Antônio Parreiras e hoje faz parte do acervo documental do museu a ele dedicado, em Niterói RJ.