Carlos Roberto Maciel Levy

Crítico e Historiador de arte

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Antônio Parreiras 1860-1937: Pintor de Paisagem,
Gênero e História

PREFÁCIO, por Roberto DaMatta

imagem"Só a amizade fraterna pode desculpar o prefácio do leigo para um livro que trata de assunto tão distante de sua área de competência profissional. Mas como — por tradição nacional ou falta de coragem — não se pode nem se deve negar nada aos amigos, aqui está o antropólogo social a apresentar o trabalho do professor, pesquisador e crítico de arte dedicado e brilhante que é Carlos Roberto Maciel Levy.

Não seria preciso, a não ser por motivos formais, falar do prazer imenso da tarefa que só leva mesmo a perder o próprio autor, já que o prefaciador não pode detalhar como gostaria ou seria preciso todas as qualidades desta empreitada intelectual, devendo assim ressaltar o que lhe parece importante e talvez isso seja pouco para o público especializado. Mas, se o prefácio pode acrescentar pouco ao trabalho, isso servirá para dar ao leitor aquela certeza de que, nas páginas seguintes, terá diante dos olhos uma pesquisa de fôlego, a reunir num só esforço de imaginação, método, perspectiva, estilo brilhante e cuidadosa pesquisa, o mais completo trabalho jamais realizado sobre Antônio Parreiras. E quero ser cuidadoso nos adjetivos, porque dentre o que conheço de estudos de pintores nacionais e estrangeiros, este trabalho, pelo que faz em termos de levantamento histórico, abrangência crítica, fidedignidade documental, modo de classificação do material coletado e sensibilidade como tudo isso foi combinado, parece-me ímpar e necessariamente modelar. De fato, não se trata simplesmente de mais um catálogo de obras assinaladas por suas datas de criação, mas de um estudo onde o pintor é visto como pessoa em formação, aluno em busca de seu caminho, pintor estudando seu destino e, finalmente, artista maduro e genial, mantendo relações profundas e paradoxais com sua cidade, seu país e seu tempo. Trata-se, certamente, de um livro que honra a obra de um dos poucos pintores que, no Brasil, confundiram-se com o verbo pintar, vindo provar a todos os pessimistas o que pode a iniciativa inteligente fazer em benefício da arte e da cultura brasileiras. Por outro lado, este trabalho é igualnlente um marco na trajetoria de Carlos Roberto Maciel Levy, assinalando-o em definitivo como coordenador de uma equipe de altíssimo nível e, muito mais ainda, como um escritor sensível, crítico e homem ousado e homem de inteligência ansioso por modificar de maneira categórica o panorama do estudo e da reflexão sobre as artes visuais no Brasil.

Ao observador da sociedade e da cultura enquanto padrões de comportamento, sistema de valores e jogo de forças que podem ser obedecidas ou modificadas, como é o caso do antropólogo social, o livro é fascinante por outra série de motivos. Primeiro, pelo próprio arranjo biográfico da matéria discutida, posto que a história de vida de qualquer artista sempre nos remete aos mistérios da liberdade em suas relações com as imposições coletivas. E isso revela, nas suas dobras mais densas, aqueles momentos críticos onde se julga ter havido um rompimento entre o homem e sua época e lugar. Por outro lado, essa posição quando desdobrada com sensibilidade como foi o caso aqui, franqueia ao leitor atento uma visão dos temas desenhados pelo artista e de que modo eles se relacionavam ao seu universo psicológico e cultural. Neste sentido, Carlos Roberto Maciel Levy apresenta uma postura que me parece de todo inovadora, já que ele se recusa a entrar na célebre posição homem versus meio histórico e social, preferindo sugerir que entre esses termos, a relação é metafórica e isso me parece muito importante. Assim o estudo iconográfico de Parreiras, teria de inquirir sobre o seu paisagismo tomando esse motivo como tendo significação própria: caminho real, no caso, a conduzir o pintor para dentro do Brasil, numa época em que os temas eram sempre a mitologia com suas musas, jamais a concretude do mato virginal do Brasil com sua luminosidade, seus cipós e sua imensa variedade. Não se trata de buscar uma mera relação de causa e efeito que permite reduzir o artista à sua época, mas — isto sim — de uma relação muito mais complexa, onde artista, seu tempo e lugar interagem de modo reflexivo, circular, dialético. Nesta postura, não se separa forma de conteúdo e homem do meio, mas assume-se que o estudo da biografia do artista, da sua obra, das suas técnicas e do seu meio, são todos elementos de um enigma único que cabe ao estudioso esclarecer. Creio que esse é um caminho fecundo que aqui se desenha com nitidez que outros trabalhos de pesquisa deverão em futuro próximo ampliar.

Finalmente, será preciso destacar o imenso trabalho de reunião de informações sobre Parreiras e sua obra contidos neste livro. Com esta publicação se pode facilmente partir para estudos cronológicos tradicionais e igualmente pesquisar sobre os temas e motivos que foram objeto da escolha e da reflexão do pintor. E isso me parece fascinante porque permite juntar num mesmo plano analítico algo profundamente inovador: a obra com sua temática e historicidade de modo a encará-la como uma totalidade, como momento especial e também como um espelho real e leal do seu tempo e lugar.

Como de tudo isso não fosse suficiente, cabe-me como prefaciador, assinalar uma outra qualidade deste livro. Qualidade que é, sem dúvida, a maior de todas, porque independe de treinamento, estudos e familiaridade com o objeto de estudo. Quero me referir àquilo que todos os amigos, colaboradores e admiradores de Carlos Roberto Maciel Levy já conhecem de sobra: a sua inteligência rápida e capacidade de trabalho que, combinadas com sua liderança e espírito crítico, acabam por produzir o dado mais básico deste livro. Uma atmosfera de vitorioso entusiasmo e saudável confiança na inteligência e no trabalho. Uma alegria inigualável de poder estar pensando e descobrindo. Uma grande vontade em querer saber e transformar o cenário onde se vive. Num país como o Brasil e num tempo como o que vivemos, a leitura deste livro e do vigor que ele encerra nas suas entrelinhas produz um enorme contentamento e tranqüila confiança no futuro".

Julho de 1981

 

Transcrito do livro publicado por Edições Pinakotheke, Rio de Janeiro, 1981, p.13-14.

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TEXTO:
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IMAGEM:
ANTÔNIO PARREIRAS, Vista da entrada da baía do Rio de Janeiro tomada da praia Vermelha em Niterói, 1931, coleção particular, Rio de Janeiro RJ.

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